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quinta-feira, 17 de maio de 2012

Luta Antimanicomial: Uma análise além do apelo emocional

    Se você é acadêmico de Psicologia já deve estar sendo bombardeado por eventos, textos, panfletos, videos, etc sobre o movimento de reforma psiquiátrica conhecido como LUTA ANTIMANICOMIAL. Mas, se você não está por dentro da história da saúde mental ou não é acadêmico de Psicologia, provavelmente, ficou um tempinho se esforçando para ler a palavra antimanicomial e ficou com uma curiosidade mínima sobre o assunto (Não se preocupe se você leu a palavra e a repetiu algumas vezes, particularmente, quando ouvi a primeira vez eu a repetia e ria por me parecer um trava-linguas, hehe).

    Esta postagem objetiva apresentar o que é a Luta antimanicomial, os "mecanismos" envolvidos nos antigos manicômios e a proposta desta reforma (de modo superficial, já que materiais sobre esse movimento é de fácil acesso). Se você é acadêmico deve estar pensando que esta postagem será mais um clichê falando da necessidade de tratamento humanitário para com os PORTADORES DE SOFRIMENTO MENTAL, entretanto, já os adianto: NÃO, não o é. Minha intenção com essa postagem é que leitor tenha uma visão dos elementos envolvidos sem nenhum apelo emocional em prol da luta. Se querem saber meu interesse implícito para com essa postagem, eu explico: Ficaria contente se você lesse essa postagem, pesquisasse mais sobre o assunto e desse um parecer CONTRA OU A FAVOR independente do movimento tendencioso e exclusivo do ser a FAVOR por ser a FAVOR. Se é contra a luta: tenha argumentos válidos, se é favorável: tenha argumentos válidos.

Dentre os tratamentos utilizados em um período
arcaico da psiquiatria, estava a lobotomia.
    A Luta Antimanicomial é resultado do II Congresso Nacional do Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) acontecido em 1987. A proposta é basicamente conscientizar a população sobre as mudanças no tratamento do portador de sofrimento mental (usaremos a sigla PSM para esta classificação) e militar em prol  de políticas públicas coerentes com  Projeto de Lei 3.657/89 , conhecido como Lei Paulo Delgado. Caso queira saber mais detalhes de forma simples sobre a história da psiquiatria no Brasil, o MTSM e a Luta antimanicomial, clique AQUI.

    Deve-se deixar claro aqui que a Psiquiatria MUDOU CONSIDERAVELMENTE neste período de mais de 20 anos. Essas mudanças, provavelmente, são decorrentes de um análise de resultados, apelos político-sociais e progresso natural de métodos de tratamento (acho válido que dê uma olhadinha no site da ABP e analise os conteúdos da Psiquiatria moderna brasileira). Faço necessário essa colocação, considerando que uma crítica inconsistente que ouço em eventos na semana da Luta Antimanicomial é a de direcionar o alvo de falhas e de erros no tratamento do PSM na psiquiatria e/ou no TRATAMENTO MÉDICO (tanto que um nome alternativo para luta antimanicomial é o de MOVIMENTO DE DESPSIQUIATRIZAÇÃO).

    INSISTO: Em 20 anos MUUUUUUITA coisa muda.

Agora, vamos aos elementos que tornam o MODELO INSTITUCIONAL do manicômio ineficiente...

Hey Oh! Let's Go.


    Aposto que essa imagem externa do Manicômio de Barbacena em 1938 chocou muita gente que esperava ver um local todo f*****. Não é de se estranhar a surpresa: A maioria das pessoas são apresentadas imagens da instituição quando os objetivos institucionais FRACASSARAM.

     Lidar com postulações de INTENÇÕES do organismo ou grupo, como é o caso de nossa discussão aqui, é uma tentativa que costuma fracassar por: a) não temos acesso à comportamentos privados dos organismos e b) normalmente quando estabelecemos intenções, estamos apresentando mais sobre nossas "impressões" do que um método dedutivo. Então, só irei apresentar em tópicos os objetivos manifestos das instituições manicomiais:

1) Retomada dos comportamentos padrões do PSM;
2) Evitar que os comportamentos desadaptativos do PSM prejudiquem a maioria populacional;
3) Análise e estudo do comportamento destes sujeitos;
4) Gerenciamento de medidas e técnicas para estabilização de comportamentos bizarros;
5) Minimização de um "estado desconfortável" do sujeito e maximização do estado de saúde, enquanto conceito referente à comportamentos padrões comparado com a média.

     Uma proposta boa? Era realmente o interesse dos órgãos financiadores e políticos detrás disso tudo?
NÃO SEI. Mas, o ponto aqui e, diria que se tornou o ponto central desta postagem é apontar possíveis motivos do FRACASSO DO MODELO MANICOMIAL e não apresentar apelos emocionais sobre os tratamentos que aconteceram nos manicômios.

Os manicômios e suas falhas

Esse tipo de imagem que o pessoal está acostumado a ver:
os objetivos institucionais fracassados.
     Não sou um especialista na área, mas arrisco apontar algumas falhas visíveis no antigo modelo institucional do manicômio. Poderia ser mais minucioso nas postulações, mas isso delongaria a postagem e a tornaria mais cansativa.

a) Conceitos e classificações ineficientes (saúde). Conceitos e classificações são possibilidades de compreensão de fenômenos. O modelo manicomial ao utilizar a definição de saúde como comportamento comparado a média, ignorou um fator fundamental: TODO COMPORTAMENTO TEM FUNÇÃO VITAL para o organismo. Uma análise que objetiva reconhecer os comportamentos bizarros de um sujeito deve considerar essa premissa para alcançar eficiência e assertividade. 
    Nos manicômios, pacientes com diferenças substanciais nos padrões de comportamento eram instalados de forma unificada, provavelmente, havia o risco de confusão nos tratamentos, gerenciamento de medicamentos e atendimento por generalização. Ou seja, pacientes que foram institucionalizados por abstinência de álcool poderiam ser confundidos com pacientes com sintomas "maníacos" e receber tratamento incompatível. Resultado: Sintomas acentuados por falta de atendimento ou repetição de determinados procedimentos.
    Se os pacientes do manicômio apresentava todos comportamentos fora do padrão, todos eles podem ser tratados sobre a mesma premissa.

b) Alienação. O conceito de alienação utilizado pela AC é o de "organismo inerte as contingências". Os PSM ficavam muitas vezes "dopados". Não discriminavam estímulos OU por excesso de medicamentos OU por não ter possibilidades de encarar novas contingências. Resultado: Considerando que o organismo não precisava de adaptar à novas contingências, o sujeito vivenciava o "ócio".

c) Falta de treinamento para técnicos de gerenciamento do comportamento. Na ausência de profissionais de nível superior são treinados técnicos para gerenciamento do comportamento do grupo. Um exemplo de medidas de gerenciamento e treinamento de técnicos é a ECONOMIA DE FICHAS. Os técnicos, no caso dos manicômios, poderiam ser os enfermeiros ou voluntários, estes poderiam ser treinados para medidas de gerenciamento de comportamento e sobre os danos graves que aconteceriam no má gerenciamento por parte deles.

d) Ambiente físico inadequado e aversivo para população e funcionários. Devido ao má gerenciamento ou de condições financeiras suficientes, o ambiente físico se tornava "desagradável" para a população e aversivo para o repertório de comportamento "trabalhar eficientemente e ser reconhecido". Os problemas desse ambiente poderiam (já que não tenho dados para afirmações) fazer com que a população se desinteressasse por completo pela instituição (lembrando que o ambiente já era aversivo para a população ao longo da história devido a GENERALIZAÇÕES INDEVIDAS/estereótipos) e os funcionários fizessem do trabalho naquela instituição um mero ganha pão sem valor (situação similar é o que acontece gradativamente com o setor educacional).

e) Similaridades com o ambiente prisional. Em postagens anteriores em que falo sobre problemas no sistema prisional (aqui e aqui), apresento alguns pontos que tornam este sistema ineficiente. No sistema manicomial os mesmos pontos são verdadeiros e gritantes. Particularmente, acredito que se o sistema manicomial ainda estivesse em funcionamento como há mais de 20 anos atrás, ele seria muito parecido com o sistema prisional. A única diferença é que o CONTRA-CONTROLE não é, até onde tenho conhecimento, exercido nas instituições manicomiais.


Cena do filme "ÓPIO, diário de uma louca. Recomendo o filme.

    Acho válido encerrar essa postagem informando que esses pontos apresentados são uma tentativa particular em apresentar alternativas significativas que validem a ideia da luta antimanicomial, sem utilizar de apelos emocionais. Também é válido dizer que a proposta inicial da postagem ainda se mantem firme: se informe sobre o assunto e, independente se seu posicionamento é a favor ou contra: tenha argumentos válidos para tal.
    Apresentação de modelos para o tratamento do PSM também são válidas, mas não cabem para os objetivos teóricos desta postagem.

Um comentário:

  1. Gostei do texto. Pensar por esse lado aumenta as possibilidades de análise da ineficiência dos manicômios. Acrescentaria que não é possível um treinamento operante eficiente fora da vivência em sociedade e com a própria família. Um tratamento tendo como base uma prolongada exclusão social torna aversivo qualquer ambiente, mas para isso, é claro, é preciso capacitar a sociedade para lidar com o louco.

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